terça-feira, 25 de janeiro de 2011

LADRÃO DE ALMAS






Ladrão de almas
na escuridão se esconde
no abismo da negação
em noites insones
em desejos abandonados
por entre as folhagens
em florestas desconhecidas
em solidões presentes
ao final de tudo


Ladrão de almas
sempre à espreita
por uma nova alma
que substitua a sua
pois dela se desfez
por pura insensatez
por pensar que sem ela
seria mais feliz



Hoje rasteja
corpo sem alma
oco, vazio
desejoso de encontrar
uma alma perdida
para dela se apoderar
pois pior do que ter uma alma
é ser um corpo a vagar


Ianê Mello

domingo, 23 de janeiro de 2011

MISTÉRIOS DO OLHAR





O olhar pode ser duro
como o aço
Pode ser claro
calmo e sereno
Pode ser
puro veneno
a castigar
Pode ser atento
ou indiferente
Pode tudo ver
ou nada enxergar
Quanto de amor
cabe num olhar
nos olhos do amado
a se derramar
Olhar que vê longe
Olhar que se esconde
Olhar que se entrega
Olhar fugidio
Olhar de tristeza
Olhar de alegria
Olhar perdido
Olhar que vagueia
Olhar objetivo
Olhar certeiro
Ah, o olhar...
quantos segredos
esconde
um simples
e singelo olhar.





Ianê Mello

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A MATURIDADE

Pintura de Francine Van Hove



Essa imagem que meus olhos fitam refletida no espelho,serei eu?
Pareço diferente aos meus próprios olhos. Algo mudou mas não identifico exatamente o que.
É certo que o tempo passou. Lá se foram alguns anos de minha vida. A pele já não tem o mesmo viço e frescor. Os olhos, ligeiramente inchados nas pápebras, já não possuem o brilho de outrora. Há linhas de expressão, ainda que leves, a se formar em meu rosto. Já posso vê-las. Meu corpo, ah, meu corpo... já não possui as curvas tão definidas e o desenho dos músculos já se perdeu. Mas também, o que eu poderia esperar, já não sou mais uma jovenzinha.
Sim, a vida passa e deixa suas marcas, umas visíveis, outras não. As que vejo no espelho e me impressionam (preferia não tê-las) são, de certa forma, as de menos importância. Em meu coração abrigo cicatrizes, que por vezes ainda sangram como feridas abertas. Dores de amores mal vividos, de significativas perdas, de sonhos naufragados, de desejos inconfessos. Essas, sim, são as marcas, que embora não expostas, incomodam mais. Mas é claro que também, a vida já vivida me transmitiu um legado positivo. Até mesmo o sofrimento e, principalmente ele, nos faz evoluir. Posso dizer, então, que meu maior ganho nesses anos tem sido a cada dia, me descobrir, me conhecer, me aceitar e sentir amor, verdadeiramente, por esse ser que enfrenta o próprio medo e se faz a cada passo mais inteira.




Ianê Mello

domingo, 16 de janeiro de 2011

HORA DA PARTIDA


Pode ser que na hora H eu desista
mas meus olhos me esconderão a verdade
O rosto coberto por fino tecido
como fina a tecitura de uma vida
Se meus olhos vislumbrassem o que estou a cometer
minha coragem se faria fraca
e meu arrependimento eterno
A água que envolve meu corpo,
fria como a morte que busco,
ao mesmo tempo acalenta essa dor
a dor de não poder mais Ser
O tempo me chegou...
essa é a hora
Preciso ir-me, sem mais demora
Da vida já sorvi o último gole
e o gosto era amargo como fel
Não lamentem minha partida
Foi bem pensada e sentida
O que da vida obtive foi o que pude
No mais, nada me ilude.




Ianê Mello

O ENTARDECER

Tela de Giorgio Dichirico




Sombras ao cair da tarde
se projetam nas ruas:
das casas,
da menina e seu bambolê,
de uma estatueta na praça,
de um árvore frondosa.
Sombras da tarde
ocultam silêncios,
revelam desejos.
Nas casas e vilarejos
pessoas sós, encimesmadas,
famílias reunidas, acaloradas,
um casal apaixonado,
um bebê adormecido,
uma mulher que chora...
E o dia se queda morno
até tudo se tornar escuridão
tendo a noite como companhia.


Ianê Mello

sábado, 15 de janeiro de 2011

CAMINHO DO SER




Resvala.
Recorre. Retem.
Ressurge. Recozija. Recobra.
Recupera. Regenera. Reduz. Rechaça.
Recompõe. Retrata. Repõe. Retranca. Retórica.
O gozo. O gosto. O sal. O pelo. O solo. O soco. O caos.
O corpo. O vício. O início. O sim. O não. O talvez. O capricho.
A vida. A morte. A espera. A plenitude. A ânsia. A loucura. A virtude.
O dia. A noite. A foice. O abrigo. A casa. A estrada. O pão. A escada.
Na porta. Na cama. No quarto. No sono. Na vigília. No sonho.
No vazio. No abandono. Na prisão. Na casca. No ventre.
A semente. A fruta. O alimento. A fome. A sede.
A dor. O amor. A fera. A bela. O frio. O calor.
O ser. O nada. O tudo. O impróprio.
A chama. O sol. O farol.
A luz. A estrela.
O encontro.




Ianê Mello

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

PRIMEIRO ATO

Pintura de Rene Magritte


Têmpora
            nua
           crua
           cruel
                  fria


Tempo
  esquivo
     cativo
           volátil
                   ilimitado


Na têmpora desvanecida
Nua tez de emoções
Crua como estopa
Cruel ao envelhecer
Fria em impressões


No tempo que vaga
Esquivo que escapa
Volátil como o ar
Ilimitado em sua finitude


Seca o ar o suor
da tez fria e nua
No tempo que se faz
cativo em agoras
No ar que escapa
em profundos ais
em noites mal dormidas


Na crueza das horas
um grito atento
no delimitar as linhas
que no rosto se apegam


É chegada a hora
nos minutos sem perdão


Cai o pano


...


finda o ato



Ianê Mello

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

MAR EM NÓS

Pintura Winslow Homer


 
Mar
marés
vazantes e cheias
maremoto
revolta das águas
numa dança
sem perdão


a força das águas
tudo a arrastar
ao derredor

........


quedas impiedosas

 ........


mar bravio
engolindo corpos
árvores
carros


devastando
sonhos
posses
egos

 .........



imbatível natureza
tragando
insanos e sãos
poderosos ou não
sem diferenciação
de credo
de cria
de poder


igualados na dor
à todos
só resta



a HUMANIDADE.





Ianê Mello