domingo, 16 de setembro de 2012

ESTRANHA COISA




Era preciso tecer a teia
de ardis e malícias


Era preciso de mais que dois olhos
para antever os vieses da vida
para dissipar os véus da dúvida


Era preciso urdiduras e tramas
desfeitas em manhãs claras
descosturando o véu da ignorância


Era preciso engolir o espanto
a revelar segredos inconfessos


Era preciso coragem e fé
para sair do luto e da profundidade das coisas


Era preciso aventurar-se no desconhecido
descortinando novos e refrescantes sentires


Mas essa coisa morna que em mim habita
que me aprisiona numa gruta escura
Essa coisa que comigo mesma se confunde
Essa coisa que me invade e me tira o ar
...
Ah, essa coisa que me divide e me parte em duas!...


Ianê Mello

(15.09.12)

*
Fotografia de Pavel Mirchuk

sábado, 15 de setembro de 2012

SERES RASTEJANTES





Os gritos...
os gritos ecoam
em meus ouvidos
derramam –se
em meus sentidos
fendas de carne
em rios de sangue
apátrida
sem rumo sigo
entre precipícios
umbrais
na escuridão eterna
no poço úmido
e viscoso
cobra rasteira
me arrasto
na lama
meu corpo
frio
nada sente
apenas se arrasta
em movimentos
sinuosos
sibilantes
silvos
“ssssssssssssssss....”
serpentes
negras
na negra noite
encontros
furtivos
profanos
serpenteiam
seus corpos
lascivos
numa dança
derradeira
última
primeira
da humanidade
que resvala
em ardis
intrigas obscenas
rastejam
em corpos
não humanos
nada mais resta neles de humanidade
nada mais resta neles
nada mais resta
nada mais
NADA.


Ianê Mello


Fotografia de Eikoh Hosoe 




sexta-feira, 14 de setembro de 2012

PALAVRAS ADVERSAS



Se você me chama vida
eu te chamo morte
poço que aprofunda dores do sentir

Se você me chama alegria
eu te chamo tristeza
na penumbra que cobre a tarde devagar

Se você me chama desejo
eu te chamo indiferença
no esgar de sorriso a passear em lábios cor de sangue

Se você me chama presente
eu te chamo passado
no tempo que escorre pela fresta da porta entreaberta

Se você me chama brisa
eu te chamo tempestade
arrastando com fúria promessas guardadas no tempo da espera

Se você me chama completude
eu te chamo vácuo
nas horas que espero em vão sua presença dispersa em nuvens

Se você me chama verdade
eu te chamo calúnia
em palavras encobertas na tez branca pela véu da desesperança

Se você me chama grito
eu te chamo silêncio
e me despeço muda desse incansável sentimento que você teima em  sentir.


Ianê Mello


(14.09.12)

*
Desenho de Anouk Griffioen.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

FRAGMENTOS


Desvelos
desfeitos
desato nós
Comparo
comparsas
compartilho sentires
Desperto
desfaço
desamparo seres
Contraio
contradigo
contenho desejos
Sentidos
sensatos
sanciono regras
Pudores
pudentos
publico farsas
Controle
contido
contraponho idéias
Afetos
afagos
afasto temores
Falsidades
falsários
falseio valores
Fragilidades
fractais
fragmento palavras


Ianê Mello


(11.09.12)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

DESEJO INALCANÇÁVEL



Em linhas sinuosas do teu corpo
mulher envolta em mistérios
na tez clara e aveludada
na suavidade de teus movimentos

presença que tarda em noites vazias
no corpo o frio tremor da distância
no olhar longínquo
o  vislumbrar de  teus  sonhos

Mulher
fogo em brasa
atenuado na solidão das horas
que escorrem mansamente em dedos longos

Mulher
ardente paixão
cultivada nas madrugadas eternas
embebidas em cálices de vinho tinto

Mulher
que distância te encontras do meu convívio
do meu corpo que clama pelo teu
do olhar  aceso que te persegue enquanto não vês?

Mulher
quanto querer te basta
para que eu possa ao menos
sentir teu breve olhar pousar no meu?


Ianê Mello

(10.09.2012)

*
Pintura de F
ulvio de Marinis

sábado, 8 de setembro de 2012

VESTIDO EM TRANSPARENTE




Em meu vestido rendado
de seda e de paixão
escondo um amor guardado
um amor em erupção

Amor vermelho encarnado
formosa rosa em botão
ao toque tão delicado
da maciez de tua mão

Nele meu corpo e desejo
escondem-se do tempo passado
e ao vesti-lo, num lampejo
mantenho o sonho acordado

Ainda guarda a transparência
que na fina seda se aninha
do perfume sua essência
delicadeza inteirinha minha.


IANÊ MELLO


*
Pintura de Octavio Ocampo.


sexta-feira, 7 de setembro de 2012

LONGE DO NINHO




Nasci assim meio sem jeito
anjo torto de asa partida
com uma cicatriz no peito
e o rubor na face tão dorida

Nasci assim barco sem porto
perdida no mundo de ninguém
quase como um natimorto
estranha criatura de desdém

Ouvidos prontos a ouvir cantigas
pernas bambas de caminhante incerto
vim assim ao mundo, decerto
para aliviar dores antigas

Braços longos de abraçar distâncias
mãos a estender-se em  desvelos
Boca grande com fome e ânsias
buscando atender a meus apelos

Assim  meio pássaro, meio mulher
anseios de voar em mim carrego
não aceito um viver qualquer
de minha vida eu mesma me encarrego


Ianê Mello

*


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

(A)MARES




Em profundezas
adentro

imenso
imersa...

Mar-Cio

seu nome
sal e areia

enlaço versos
despida

a alma
branca espuma

no mar
do (a)mar

mar(po)esia


Ianê Mello


(06.09.12)


*
Pintura de Salvador Dali.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O REVERSO DO CORTE





Assim a pele roça a carne nua
exposta a feridas entreabertas
Não há rosas sem espinhos
e fere a rigidez no amor que cala

fluído que escorre sem sutura
vermelho sangue
corte profundo
marcas indizíveis

na fenda de desejos  obscenos
a carne é fraca e cede
 a sede que devora
a garganta seca

as mãos que anseiam ávidas
sem demora
encontram seu conforto
no colo que as acolhe

o corpo se encolhe
em lânguidos prazeres
no vértice entre as pernas
perde-se em  delícias


Ianê Mello
(02.09.12) 


Pintura de Salvador Dali.

À DERIVA




Brisa morna
me beija a nuca
Um arrepio
eriça minha pele

Vida que passa...
passa rente
passa reto
passa  num sopro
...
Sopro de vida


Incompletudes
no sentir que navega
mares distantes
mares bravios

Barco arredio
sem porto
à deriva

Onda que vai
Onda que vem

Círculo vicioso
enrodilhado
em si mesmo
se perde
no centro
do nada



Ianê Mello

*

Arte de Alaya Gadeh


terça-feira, 4 de setembro de 2012

SIMPLESMENTE MARIA



Maria, teu nome é doce
lânguido teu corpo
aveludado e alvo

Maria  virgem
Virgem Maria
Maria de ninguém

Maria das Dores
de todas as dores


Do mundo
Maria de amores

Maria Auxiliadora
de largo regaço
de mãos que acalentam
mãos curadoras

Maria poço profundo
útero de mãe parideira
Maria a primeira,
única e insubstituível

Maria, esposa e mãe
Maria fonte fecunda

Maria só
Maria vadia

Maria
imensa solidão
em noites longas
na cama vazia

Maria ternura
Maria poesia

Maria
simplesmente Maria.



Ianê Mello

(24.08.12)

*
Pintura de Salvador Dali

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O BROTAR DE UM SORRISO



Após o pranto derramado
secam-se as lágrimas
cessa a agonia
e com um sorriso
a iluminar-me o rosto
a dor que antes havia
cede seu lugar
a terna calmaria


Ianê Mello

*

Foto tirada em Webcam – Ianê Mello

domingo, 2 de setembro de 2012

A ESCOLHA DE ALICE




Alice, Alice, Alice
dorme em teu sono
de menina
em tua inocência
sobrevivem teus desejos

Alice, Alice, Alice
o mundo é obscuro
cheio de perigos
portas ocultas
fantasmas do medo

Alice, Alice, Alice
guarda teu segredo
nesses olhos de sonhar
teu encanto nesse canto
que te embala ao dormir

Alice, Alice, Alice
no mundo real não há lugar
para o Chapeleiro Maluco
para a Lagarta Azul
para o Coelho Branco

Alice, acorda e escuta
depois volta adormecer
se assim preferir, linda menina

Aqui tem Rainha de Copas...
corre Alice, corre!!!!


Ianê Mello

sábado, 1 de setembro de 2012

A FERRO E FOGO




Em ferro moldados
forjados humanos
da carne
que é fraca
livramos tormentos
a ferro e fogo
endurecemos sentires
calamos emoções

Que homens que somos
afinal?

Homens de ferro
embrutecidos
na labuta diária
nos desafetos?

Homens empobrecidos
sem amores
sem ternuras
sem desejos?

No ferro que reveste nossa carne
esconde-se o humano
que sempre havemos de ser.

Ianê Mello