terça-feira, 29 de janeiro de 2013

É...




É prego sem estopa
É pedra no caminho
É mosca na sopa
É pássaro no ninho

É o fim da estrada
É mulher parideira
É caminho para o nada
É a última e a primeira

É vida sem sorte
É caminho sem trégua
É a busca da morte
É escrita sem régua

É o tudo no nada
É o nada que resta
É a boca fechada
É o final da festa

É o sim e o não
É a língua afiada
É o sonho na mão
É a vida e mais nada


Ianê Mello

(29.01.13)


*
Pintura de Paul Klee

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

APENAS UM SOPRO





Um sopro apenas
uma pequena passagem
um encontro fugidio
nada mais...

uma fagulha no tempo
um átimo de momento
um brilho transitório
tão fugaz...

Essa é a vida que pulsa
urge por ser vivida
pois se hoje é vida
amanhã jaz

restando a alma
que esse corpo habita
não mais prisioneira
buscar um pouco de paz


Ianê Mello

(28.01.13)

*

Fotografia de Amber  Ortolano.


A VIDA ARDE





como conter a sede
e afogar a dor?
a vida é sangue e sal
ferida aberta
carne exposta
olhos baços
mãos sós
fatigado corpo
enrodilhado em si
frio  de amores  vagos
escassos  perfumes
em noites  insones
inquieta  procura
silencioso  amanhecer
a  vida é vidro e corte
fuga  eterna e insana
do  que se chama morte



Ianê Mello

(26.01.13)


*
Fotografia de Anka Zhuravleva




domingo, 27 de janeiro de 2013

APENAS PÓ






“Quando olho nos seus olhos
Há apenas demônios e poeira”

Bruce Springsteen- Devils & Dust









Quando olho em seus olhos
Há apenas desejos de voltar pra casa
Mas nossa casa se perdeu na poeira
em nossos próprios passos se perdeu
e cada vez nos tornamos mais distantes
de nosso antigo abrigo
de nós mesmos
Uma nuvem de pó cobre todo o caminho
Não há mais como voltar
Agora existem apenas demônios e poeira
Não há rastros de sonhos nesse chão
É árduo caminhar em trilhas desconhecidas
Inóspitas aos nossos saudosos olhos
Mas não há como voltar
Matamos para sobreviver
Sim, matamos o que em nós havia
Calamos a nossa voz
Quebramos nossas promessas
Vendemos a nossa alma sem critério
Agora é tarde e o vento fechou todas as portas
Precisamos recomeçar do nada
Ser pó e dele renascer


Ianê Mello

(27.01.13)


*
Inspirado na música de Bruce Springsteen- Devils & Dust






sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

NAUFRÁGIO




Ousou amá-la como quem ama sem fronteiras
despindo-se do medo de entregar-se
Ousou amá-la como quem ama sem pressa
içadas as velas em mares profundos navegou

Ousou amá-la mais que tudo e além
abandonando-se ao encanto de pertencer
Ousou amá-la e por amá-la tanto
olhos em pranto assistiu sua partida


Ianê Mello


(22.01.13)

*

Pintura de Alex Alemany


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

CONDIÇÃO HUMANA



"A Arte não representa o visível, a Arte torna visível."
                                                                   Paul Klee


A Paul Klee


O que somos nós?
Um ser incompleto
Dividido entre o céu e a terra
Uma alegoria humana
Um anjo torto
Inacabado
De uma única asa
Com os pés fincados ao chão
Eis nossa eterna condição
Movidos pelo desejo de voar
Imaginamos um país infinito
Por trás de janelas
Que nunca se descortinam


Ianê Mello

(24.01.13)

*

Pintura de Paul klee “Poor angel”






terça-feira, 22 de janeiro de 2013

FONTE FECUNDA




Entremeados verbos
obscuro sentido
na lucidez da trama
palavras que são véus

nas entrelinhas
teias de segredos
improváveis de decifrar
mescla entre real e imaginário

variáveis as vertentes
alimentam-se de si mesmas
num processo de recriar-se
contemplam a eterna sede de existir



Ianê Mello



(18.01.13)

*

Arte de Cláudia Rogge






segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

DISFARCES





Se com um movimento brusco
eu te afastar prá longe
insista...
nem sempre os movimentos expressam minha vontade

Se com palavras duras
eu te disser que saia
persista...
nem sempre as palavras expressam meu desejo

Mas se com os olhos úmidos
eu te pedir que fique
escute...
ainda não consegui ensiná-los a mentir



Ianê Mello


(16.01.13)

*

Pintura de David Agenjo




domingo, 20 de janeiro de 2013

RE-CRIAÇÃO



Des-construir a forma
des-membrar

des-estruturar o verbo

des-ordenar  a estrutura

des-mitificar

ir além do provável

e - assim - instituído o caos

re-modelar 
o imponderável

  
Ianê Mello




*

Arte de Cláudia Rogge


sábado, 19 de janeiro de 2013

CAIS DE MIM





A dor repouso num canto
o pranto enxugo com a mão
em poesia transborda o cantar
no encontro do verbo na ação

e de tanto desaguar em rio
sou mar de anseios perdida
mulher  entregue ao cio
só de (a)mares sinto a vida





Ianê Mello




(16.01.13)

*

Arte de Luiza Maciel Nogueira

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

APÁTRIDA





vilipendiada
largada na vida
ovelha desgarrada

um corte
um suporte
um quase nada

jogada na lama
usada na cama
cigana na vida

vagueando pelo mundo
errante na estrada
nômade de mim

sem paradeiro
sem porto
apátrida

em meu corpo estrangeira
retirante no tempo
emigrante fugidia

do amor não nascida
parida por descuido
pela mãe enjeitada

na morte encontro alívio
pressinto sua chegada
sem resistência me entrego

há muito por ela ansiava
vez que dessa parca vida
não esperava mais nada





Ianê Mello



(15.01.13)



*

Fotografia de Amber Ortolano

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A HORA DE 50 MINUTOS





com as mãos sobre o colo sentada naquele divã um profundo sentimento de estranheza  toma conta de mim e a vontade que tenho é sair correndo dali sem pestanejar mas a consciência me impede e distraidamente pouso os olhos nas paredes brancas com alguns quadros dependurados que me fazem lembrar a visita que fizera recentemente a galeria de artes que era  por sinal uma de minhas distrações prediletas e sinto meu rosto corar quando me deparo com o olhar inquisidor do terapeuta a minha frente esperando que eu desse inicio a sessão o que com certeza eu não tinha a menor vontade de fazer porque hoje me sentia esvaziada de palavras mas sabia que quanto mais eu demorasse mais me sentiria constrangida e seria dinheiro posto fora coisa que eu não poderia me dar ao luxo assim como também em anos de terapia aprendera que essa resistência de minha parte significava algo importante que estava submerso representando material de primeira a ser trabalhado em terapia e tudo o que tinha a fazer era dizer a primeira frase que depois o resto fluiria como um rio caudaloso e o tempo passaria a ser pouco para extravasar uma torrente de emoções que aflorariam o que traria em mim um arrependimento por não ter começado logo a falar e assim pensando não me demorei nem  mais um segundo e só me dei conta que o tempo havia terminado quando meu terapeuta olhou discretamente o relógio em seu pulso


Ianê Mello

(13.01.12)

*
Pintura de Paulo Thumé

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

SERÁ AMOR?




Se você vai eu vou
onde você está eu estou
irmãos siameses
corpo e alma
metades unidas
unha e carne

...

amar poderia ser
fazer do outro morada
porto de chegada
fim da estrada

...

amar poderia ser
deixar de ser um
para transformar-se
num nada

...

amar poderia ser
mas esse fim não concebe
 dor de perder-se
abandonar-se no outro
inexistir em si
é pura fábula

...

amar é ser inteiro



Ianê Mello




(13.01.13)




*

Arte de autoria desconhecida

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

DERRADEIRO FIM



a cova rasa
abriga a carne
restos rotos
ossos e  pó
vida finda
fria lápide
inúteis inscrições
os olhos já não vêem

  
Ianê Mello


 (13.01.13)


*


Pintura de Gustav Klimt

Assista ao vídeo-poema:





domingo, 13 de janeiro de 2013

A DOR DA AUSÊNCIA





aquela rosa vermelha encarnada num vaso de vidro sobre a mesa da sala era parte de tudo o que agora restava de você em nossa casa naquela manhã morna de domingo quando ouvi suas últimas palavras ao sair e senti seu beijo úmido em minha boca entreaberta  antes de  deitar-me em nossa cama ainda aquecida pelo calor de nossos corpos encolhendo-me embaixo das cobertas  e abraçando seu travesseiro  para sentir o perfume suave de seus cabelos  quando não mais suportei e deixei que as lágrimas escorressem  pela minha face embaçando a visão de  seu retrato na mesa de cabeceira onde você sorria num tempo em que éramos felizes e estarmos juntos era tudo o que queríamos na vida quando nada mais importava além de nós dois e o amor ainda resistia ao mundo lá fora com todas as suas trapaças e injustiças pois esse sentimento puro nos resguardava de todo o mal e nada nos atingia em nossa união que nos fortalecia e nos extasiava em noites de prazer e entrega fazendo-nos acreditar que era para sempre


Ianê Mello

(13.01.13)


Pintura de Georgia O'Keeffe


quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

E QUE VENHA A PALAVRA





Que a palavra adentre o verso
em suaves movimentos
sem requintes, nem propósitos
pura e simplesmente escoe
como a fina areia de uma ampulheta
escorre sutilmente e sem pressa


Que a palavra entre como o vento
pelas frestas da janela entreaberta
e se acomode sobre as mobílias
formando uma fina camada de pó
encontrando seu lugar e seu momento
na casa da memória e do esquecimento


Que a palavra nos tome de surpresa
e se encaixe no quebra-cabeças
revelando todos os sentidos ocultos
todos os mistérios do não dito
nesse silêncio que cobre distâncias
nessa fera que habita o desconhecido

Que a palavra brilhe em súbito reconhecimento
como um eco sempre ouvido mas distante
como tudo que começa sem aviso
como o amor que de repente chega
sem que sequer se perceba quando
sem que se saiba onde estava guardado



Ianê Mello


(09.01.13)


*


Pintura de autoria desconhecida




quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

BISCOITO RECHEADO DE ARTE





nos divertimos muito naquela noite e quando saímos do sarau nossos pés tinham asas e o nosso coração pleno de poesia e canção pois a arte tem esse poder de nos fazer voar e de elevar nossa alma que dança como bailarina e flutua em piruetas no ar e tudo passa a ser mágico nesse momento até o pacote de biscoitos recheados de morango que nos oferece um amigo não importando que só um único biscoito caiba a cada um de nós por sermos muitos enquanto caminhamos até a estação de metrô e até mesmo perceber que fizéramos o caminho mais longo nos faz achar graça mesmo sendo tarde da noite e correndo o risco de perdermos o último metrô pois não existe cansaço nem sono quando nos sentimos revigorados pela  arte que tem mais essa propriedade  de nos fazer sentir renovados e felizes


Ianê Mello

(08.01.13)

*

Pintura de autoria desconhecida

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

MESA DE BAR




senta na mesa do bar e pede uma bebida que o faça esquecer as dores do mundo e as suas próprias dores que são muitas pois não crê num ano novo melhor do que o velho que já se passou  assim como há muito tempo que não acredita mais em papai noel  afinal a infância já se foi há muito e nela os sonhos e ilusões se perderam deixando no lugar esse  imenso buraco que nada é capaz de preencher  e encher a cara ainda é sua única saída então nada melhor do que já começar o ano amortecido pelo álcool que adentra em seu corpo já depauperado  e em sua mente corroída por esse (mal)dito vício que o acompanha há tantos anos que já se esqueceu de como é viver sem ele e mesmo que quisesse não poderia mais por não ter forças para abandoná-lo por ser fraco demais e as noites longas e solitárias demais desde que perdeu seu bem mais precioso numa noite de ano novo igual a essa e deixou de acreditar que a vida possa ser mais do que essa busca insana para ser feliz


Ianê Mello

(05.01.13)

*
Pintura de Viktor Oliva

domingo, 6 de janeiro de 2013

O QUE MUDA AFINAL?



Ano velho que se vai
no romper dos fogos de artifício
... artificiais
abraços trocados
 sorrisos estampados nos rostos
o espocar da rolha de champagne
... (na verdade, cidra)
taças cheias erguidas num brinde
“ adeus ano velho, feliz ano novo”

-tin-tin...

a ceia na mesa posta
um convite ao regozijo
um prazer para os olhos
e para as bocas ávidas
fartam-se todos nesse banquete
nada se pensa nessa hora
tudo é festa e celebração

...

lá fora no escuro da rua
deitada sobre jornais
uma criança chora
mas quem a escutará?


Ianê Mello

(05.01.13)








sábado, 5 de janeiro de 2013

JOGO DE DADOS






Os dados rolam na mesa
como saber se a sorte me sorrirá?

A vida é um jogo
a mim só resta jogar



Ianê Mello


(04.01.13)







*
Arte de MARCELO DALLA

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

TEMPO ADORMECIDO




Guarda teu sorriso no tempo da espera
fruto adocicado em plena estação
Guarda tua palavra na placidez do tempo
amanhecida flor que se abre em botão

Guarda teu amor no peito adormecido
aquecido no fogo fátuo da ilusão
Guarda teu abraço na ternura antiga
agasalhado na esperança que não finda

Guarda-te por fim inteira e intacta
que o tempo não espera e não perdoa
nas horas mornas em que passas debruçada a janela
enquanto  a vida lá fora lhe convida a dançar


Ianê Mello

(04.01.13)

*
Pintura de Mary Jane Ansell


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

SOLTAS NO AR






 Não, não quero mais ouvir
cansei das palavras
palavras vãs...
saem da boca num bocejo
apenas soltam-se no ar
e nele dançam bailarinas

tapo os ouvidos e esqueço
meus olhos fitos
em seu bailado febril
borboletas coloridas
voejam e voejam
incansáveis

...

mas não pousam




Ianê Mello

(03.01.13)


*
Pintura de Mary Jane Ansell